Já tenho quatro meses em um lugar estranho,
Estranho porque não estou em meu lugar, Lugar que traz a tranquilidade das minhas origens, Onde lembro que um dia me abriguei! Esse tempo que aqui estou passando me fez voltar a minha infância, ao lembrar de um lugar que só eu sei. Só buscava esse lugar por medo, um buraco de barro que sempre trazia um esconderijo, Esconderijo que abriga alguém sem lugar, Lugar onde encontrei segurança como minha única opção. Opção a que o medo me empurrou. Medo de um barulho estranho vindo de algum lugar, Lugar que não tinha nome, porque não se tinha uma direção. Ouvia-se um barulho estranho, como o zumbido de uma colmeia de abelhas. O que será? pensando em um zumbido violento como o do trovão! Lembro como se fosse hoje. Era de um avião imenso que passava em cima de um rio, Um zumbido grave estranho parecendo roubar violentamente o espírito de alguém. Alguém precisou estar bem encolhida como se estivesse dentro do ventre. Terra amarelada, com raízes de açaí e folhas de ingazeira miúda. Miúda, mas dava sombra às crianças que tomavam banho de rio. Rio violento na época da enchente, Enchente trazendo doenças do mundo para aldeia, Aldeia cheia de famílias indígenas que não sabiam o que estava por vir. Vindo de um lugar também sem direção, o que será que vinha? Vinham doenças que causavam desconfortos aos corpos, Corpos que não sabiam expressar a dor dentro de um corpo. Corpo que alojava um vírus estranho. De tão longe sem ter nenhum buraco de terra para se esconder, Esconder não era opção que tinha, porque a terra estava coberta com algo estranho, Estranho parecendo couro de Sucuri. E a angústia de estar dentro de um lugar inseguro, frágil E medo de ser engolida por um vírus fantasma sem identidade. Vírus que me trouxe dias sem dormir com medo do amanhã, Amanhã que talvez não poderia existir, porque não pertence a mim. Não pertencendo a mim, procurava me encolher dentro de uma parede, Parede que me traz uma certa insegurança por ser um lugar aberto. Esse lugar aberto me causou muitas dores da perda, Perda de amigos, conhecidos, parentes, vizinhos, familiares. E hoje o que nos resta? Restam cacos, pedaços de cerâmica deixadas à beira do caminho, Caminho parecendo não ter fim, impedindo a volta às minhas e nossas origens, Origens não só de aldeias, mas da vida de muitos que esperam com ansiedade. Isabel de Oliveira Dessana é antropóloga e Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional, UFRJ. Pesquisa sobre as tecnologias digitais e de mídias sociais e suas influências aos povos indígenas do Alto Rio Negro, desde a sua introdução na região. Investiga como os afetam e quais suas vantagens e desvantagens, seja no campo social, político, educacional, cultural e econômico. Os comentários estão fechados.
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AutoresAna Cláudia Teixeira de Lima, PPGHCS/COC/Fiocruz Arquivos
Novembro 2020
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