Texto escrito numa tarde de outono, em 13/05/2020 Respeitar os meus limites tem sido um mantra para mim. O despertador do celular toca, avisando que é hora de levantar para viver mais um dia em isolamento social por causa da pandemia de Covid-19. Todos os dias, realizo os rituais matinais de lavar o rosto e ir para a cozinha preparar meu café da manhã. Costumo tomar café assistindo ao noticiário ou ouvindo podcasts sobre assuntos variados. As notícias sobre o aumento de casos confirmados e de mortes por coronavírus no Brasil e em outros países causam susto em mim. Porque não são só números. São vidas, seres humanos que tinham trajetórias, histórias, eram queridos e amados pelos seus parentes e amigos. Quando as medidas de isolamento social entraram em vigor no Rio de Janeiro, eu estava indecisa se permanecia aqui no alojamento da Fiocruz (localizado em Curicica, Zona Oeste) ou se voltava para Caicó, minha cidade de origem, localizada no sertão do Rio Grande do Norte, distante a uns 270km da capital Natal. Decidi ficar em terras cariocas, pois fiquei com receio de contrair a doença durante a viagem. A maioria dos voos que pesquisei tinham conexões e escalas em São Paulo e eu passaria o dia inteiro viajando. Confesso que foi uma decisão difícil, pois viver em isolamento social longe da família é desafiador. Mas fico aliviada a cada mensagem e telefonema que recebo da minha família e do meu noivo e me conforta saber que estão bem. O fato de dividir apartamento com uma pessoa que vem da mesma região e faz parte do mesmo programa de pós-graduação supre a falta que sinto da família. A gente conversa sobre nossos hábitos alimentares, festas, tradições e situações engraçadas que nossas famílias fazem e que são muito nordestinas como o jeito de falar e se expressar. Quando nós reconhecemos as manifestações culturais, isso nos faz valorizar ainda mais o lugar de pertencimento e reforça o quanto as memórias e vivências são elementos significativos na constituição dos afetos. Os hábitos aqui no alojamento mudaram. Somos quinze estudantes, vindos de diversos lugares do Brasil e de outros países, pertencentes aos programas de pós-graduação da Fiocruz. Como a maioria dos estudantes voltaram para casa, a direção do alojamento tomou algumas medidas como: deixar dois estudantes por apartamento e distribuir álcool 70 para auxiliar na limpeza. Os funcionários do alojamento trabalham no sistema de escala e os que têm mais de 60 anos foram afastados temporariamente e/ou receberam férias antecipadas até a situação se normalizar. Como vivemos em ambiente coletivo, as nossas ações e cuidados têm sido redobrados. A ida ao supermercado, por exemplo, se tornou um desafio, pois os calçados que utilizo para sair ficam todos do lado de fora do apartamento. Saio sempre de máscara e fico assustada com o fato das pessoas não utilizarem nos espaços em que há mais fluxo como a rua. O supermercado sempre está cheio e algumas ações de higiene e prevenção foram adotadas como passar álcool nas mãos e no corrimão dos carrinhos antes de entrar no estabelecimento e sinalizadores nas filas com distância de 1,5 metros entre cada cliente. A chegada em casa é outro processo: as compras feitas no supermercado ficam do lado de fora e só entram depois que higienizo todos os itens. Jamais imaginei que faria todo este ritual para ir ao supermercado e entrar em casa. No tocante aos trabalhos relacionados a tese, mantenho um ritmo de escrita e leitura que considero normal ao comparar com a rotina que eu tinha antes da pandemia, pois sempre trabalhei bem em casa. Mas não é simples escrever tese em tempos de pandemia e respeitar os meus limites têm sido um mantra para mim. O fato de ter a consciência de estar nesta situação é bem mais angustiante. Porque antes, quando o cansaço mental predominava, eu podia sair para ver o mar, ir ao cinema, ver uma exposição artística em algum museu ou simplesmente pegar o transporte público lotado do Rio de Janeiro. Como estou mais tempo em casa, desfruto do espaço externo do alojamento. Por ser amplo e arejado, sinto liberdade de caminhar pelo belíssimo jardim e aproveito para tomar um banho de sol. As flores têm brotado com muito vigor e os sons da natureza predominam como o cantar dos pássaros e o cair das folhas no chão. Meditar, escutar música, assistir filmes e fotografar têm sido meu refúgio em dias cansativos. Fotos tiradas no jardim do alojamento da Fiocruz, localizada em Curicica, Zona Oeste do Rio de Janeiro. Escolher o que fazer ou não em tempos de pandemia se tornou privilégio para alguns. Escrevo isto porque, na condição de pós-graduanda, eu posso ficar em casa e estudar, diferente de algumas pessoas que exercem atividades consideradas essenciais como caixas de supermercado, entregadores de comida e mercadorias, motoristas de transportes públicos, profissionais de saúde. “Se puder, fique em casa” se tornou o lema desta pandemia e ela é fundamental para conter o avanço da doença e evitar a superlotação do sistema de saúde.
Eu tenho pensado muito no mundo que eu desejo depois que esta situação acabar. Tenho visto vídeos lindos de baleias e outros seres marítimos aproveitando o oceano como realmente deve ser e dos canais em Veneza com uma água cristalina. É a natureza nos mostrando que os problemas que o mundo enfrenta hoje tem muito a ver com os atos que praticamos. Portanto, sobre viver em tempos de pandemia, não é somente tentar sobreviver a uma doença que, infelizmente, têm matado pessoas no mundo todo, mas sim tentar viver diariamente da melhor maneira possível, respeitando o nosso corpo, a nossa mente e os nossos limites diante das atividades que desenvolvemos neste período em que estamos em isolamento social. Os comentários estão fechados.
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AutoresAna Cláudia Teixeira de Lima, PPGHCS/COC/Fiocruz Arquivos
Novembro 2020
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