No Ceará, o isolamento social iniciou oficialmente no dia 20 de março de 2020. Dia 19 eu estava em Iguatu devido ao trabalho e, como era feriado de São José, já arrumei a mala em direção à Fortaleza com a intenção de passar os dias de isolamento em casa com minha mãe. Naquele momento, tinha na cabeça que seriam poucos dias. Cheguei a pensar: vou levar os livros e as roupas que precisarei durante um mês. Imaginei que no final de abril estaríamos todos de volta à rotina. Hoje é 01 de junho e marca o primeiro dia de transição para a retomada das atividades econômicas no estado. E eu ainda estou em isolamento, assim como muitas pessoas que conheço. A palavra que talvez melhor defina esse período é cuidado. Sim, cuidado. Cuidado com o que considero mais valioso: as pessoas que amo. Estou em casa e evito as saídas desnecessárias. As poucas idas à rua são feitas para compras no mercado ou na farmácia. O olhar para a rua se tornou restrito à moldura da janela. Nesse tempo, algumas perguntas estão sempre presentes na cabeça: “será que vou adoecer?”; “será que alguém que conheço e amo vai adoecer?”; “o que será a vida depois disso tudo?”; “terá uma vida depois disso?”. Não tenho as respostas e talvez, agora, ninguém as tenha. Tenho a impressão que tudo isso começou e a gente não percebeu que deu o último passeio na cidade, a última ida à praia, o último encontro com os amigos. Teria sido diferente se soubéssemos que era uma despedida temporária e que passaríamos mais de dois meses sem poder repetir? Quase sempre nas conversas com os amigos estamos sempre repetindo: “quando isso acabar, vamos tomar uma cerveja, vamos à praia, vamos ao cinema”. Eu creio que são as memórias desses bons momentos que nos fazem seguir em frente e esperar de dias melhores. Nesses quase três meses de isolamento passamos por muitas datas importantes e que tiveram que ser comemoradas à distância. Meu aniversário (a Thayane de 31 anos ainda não viu os amigos, não deu um rolê na cidade!), aniversário da minha irmã, sobrinha, dia das mães, a defesa de doutorado de uma amiga muito querida e tantas outras coisas. Tantos motivos para comemorar e que ficou “pendente” pra depois do isolamento, só não sabemos quando será. Tudo isso que é tão bom e faz muita falta. É junho como eu já disse antes. Na vida “normal” essa hora já estaríamos pensando nas festas juninas. O São João é o xodó dos nordestinos e todos comentamos: “o coronavírus foi longe demais! Acabou com o São João!”. Brincadeiras à parte, este será um junho diferente. Apesar da retomada gradual das atividades, as festas é claro não podem acontecer (ainda). E, por enquanto, vestiremos nossa roupa xadrez para ficar em casa comendo as delícias juninas e conversando pelas redes sociais que são nosso alívio. Chamadas de vídeo, mensagens de texto (eu gosto, viu?!), Facebook e Instagram são os encontros possíveis nesse momento. Esse texto não teve pretensão de ser científico, afinal eu já tenho uma tese para escrever. E sobre isso eu falei bem pouco e foi proposital. Um dos assuntos mais comentados nesses tempos é como manter a produtividade com medo e sem saber do futuro. Bom, ando devagarinho. Qualifiquei em março e agora estou tentando aproveitar esse tempo para corrigir o texto a partir das considerações feitas pela banca. Além disso, tenho tentado também me inserir como historiadora que atua no campo das ciências e da saúde. Mas com calma e fazendo o que posso porque as incertezas também me deixam angustiada. Voltando ao texto aqui exposto: ele foi construído a partir das saudades de andar pela cidade e encontrar as pessoas amadas. Todas as fotos fazem parte do repertório pessoal que, juntamente com as lembranças, me mantém viva em dias difíceis. E não querendo explorar as questões tristes que a pandemia nos traz (e são muitas, nós sabemos e estamos vivendo), esse texto também quer ser um abraço de esperança. Esperança de que em breve poderemos viver bons momentos e encontros. Por enquanto: cuidemos do que é valioso. E lutemos para que todos possam também assim fazer. Sobre a autora: Sou doutoranda em História das Ciências e da Saúde na Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz e desenvolvo tese sobre o processo de disciplinamento do misoprostol (medicamento utilizado para aborto) no Brasil. Nesse texto lancei mão das saudades, lembranças e dos desejos que aguardam o fim da pandemia. E-mail: [email protected] Os comentários estão fechados.
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AutoresAna Cláudia Teixeira de Lima, PPGHCS/COC/Fiocruz Arquivos
Novembro 2020
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