Um dos grandes desafios que temos de enfrentar nesse cenário de pandemia é o de manter-nos produtivos e saudáveis mentalmente. E para ser sincera, não existe uma fórmula pronta para alcançar esse equilíbrio. São dias difíceis e precisamos de muita resiliência para enfrentar esse cenário. Assim, é normal cada pessoa reagir de uma forma diferente. Na minha experiência particular, a quarentena tem aguçado um misto de sentimentos que nos últimos meses se tornaram meus companheiros diários: medo, tristeza, insegurança, solidão e saudade. Conviver com tudo isso junto e misturado não tem sido fácil, por isso tenho contado com a ajuda de uma psicóloga, de amigos e familiares.
Quando a ansiedade se faz presente, não tenho vontade de sair da cama, pois as coisas parecem não ter muito sentido. É bastante complexo dar continuidade às atividades do doutorado em meio a tantas notícias ruins, não só apenas relacionadas ao Covid19, mas ao contexto geral do Brasil. Uma das medidas que adotei foi parar de ver notícias jornalísticas sobre a pandemia, na tentativa de fugir um pouco da enxurrada de informações ruins – que estavam servindo de gatilho para minhas crises de ansiedade – e manter minha saúde mental. No entanto, nem sempre consigo praticar esse distanciamento e às vezes acabo vendo algo, mas de forma controlada para apenas me manter informada. Mesmo diante do caos provocado pela pandemia, tento manter dentro do possível uma rotina de estudo. Estou no segundo ano do doutorado em História das Ciências e da Saúde (Casa de Oswaldo Cruz-COC/Fiocruz) e preciso reescrever o projeto de pesquisa e elaborar o material para a qualificação no final do ano. Desse modo, acabo dedicando boa parte do meu dia às atividades do doutorado, o que de certa forma me afasta das preocupações do mundo lá fora. Porém, nem sempre consigo estudar, principalmente, quando fico muito ansiosa. Nesses momentos, procuro fazer algo leve, como conversar com um amigo pelas redes sociais, ver uma série, ler um livro ou simplesmente não fazer nada. A quarentena tem me ensinado a ouvir meus sentimentos, a desacelerar para entender as coisas e a identificar o momento certo de descansar o corpo e a mente. Falando em corpo e mente, uma das coisas que mais tem me ajudado é a realização de atividades físicas. Me sinto muito melhor após correr e fazer exercícios. Essa tem sido minha atividade diária preferida, pois consigo distrair a mente e cuidar da saúde. Mas isso só é possível porque disponho de uma quadra segura que fica longe de qualquer contato com o mundo externo. Assim, posso sair um pouco do meu apartamento e respirar o ar da natureza sem correr o risco de ser contaminada. Moro no Alojamento da Fiocruz e aqui em período normal somos muitos – pessoas de diferentes países e estados – contudo, atualmente estamos em número reduzido, visto que muitos colegas voltaram para casa. Optei por permanecer no Rio de Janeiro pela segurança da minha família. Meus pais moram no interior do Piauí e a viagem para lá é muito complicada, pois tenho que pegar um voo de quatro horas até a capital, Teresina, depois enfrentar seis horas de ônibus e uma hora de van para minha cidade. Fiquei com medo de nesse percurso ter contato com o vírus e ao chegar em casa contaminar meus pais que, de certa forma, estão mais seguros por morarem na zona rural. Para matar um pouco a saudade converso com eles por chamada de vídeo – comemoramos o aniversário da minha sobrinha desse jeito – e tento acalmá-los dizendo que está tudo bem comigo – minha mãe está muito preocupada –, que logo estaremos juntos novamente. Acredito que o fato da minha família estar protegida me deixa mais confortável e menos apreensiva. Aqui onde moro está muito calmo – sempre é muito agitado devido a quantidade de moradores e funcionários que trabalham na instituição –; às vezes só escuto o barulho dos passarinhos que, de umas semanas para cá, parece que passaram a cantar de forma mais intensa. Coisas que antes passavam despercebidas agora fazem parte da minha rotina, como, por exemplo, ficar observando da janela as flores no jardim enquanto tomo meu café matinal. Mas confesso que bate aquela saudade do ritmo acelerado da vida, de ficar reclamando que não tenho tempo para nada. O isolamento social só não está sendo mais severo porque estou compartilhando tudo isso com uma amiga que também faz doutorado no mesmo programa. Temos rotinas muito parecidas, sem falar que somos da mesma região – nordestinas, oxente –, assim falamos uma linguagem parecida, sorrimos das mesmas piadas e relembramos coisas da nossa infância que são muito peculiares. Ajudamos uma a outra, tanto nas nossas pesquisas do doutorado, como quando bate a tristeza e a saudade de casa. Meus amigos também estão sendo fundamentais nesse momento. Eles são aquele pontinho de esperança que tanto preciso para continuar acreditando que tudo isso vai passar. No entanto, estou tendo que aprender a lidar com essa distância física, sem abraços, sem beijos e sem cheiros. Sinto muita falta de encontrá-los para cantar nossas músicas preferidas no karaokê, para ficar conversando por horas sobre coisas aleatórias e para sorrir de forma descontrolada das maiores besteiras. Para amenizar a saudade conversamos bastante pelas redes sociais, assim compartilhamos nossas experiências e ajudamos uns aos outros. De modo geral, tenho percebido que o momento tem causado muita apreensão em todos. Não sabemos quando tudo isso vai acabar e nem como será o mundo depois da pandemia. Além disso, o contexto político do país é assustador, estamos sendo atacados todos os dias por um presidente irresponsável - para não usar outro termo - que ameaça de forma direta o futuro da pesquisa e da ciência no Brasil. São tempos difíceis e precisamos de muito cuidado para mantermos nossa saúde mental. Por isso, tento manter um equilíbrio entre o que tenho que fazer e o que quero fazer para também aproveitar meu tempo com coisas que antes não fazia. Como me disse um amigo, precisamos ressignificar o que é ser produtivo nessa quarentena, pois se acreditarmos que somos produtivos somente quando lemos dez artigos e escrevemos vinte laudas, cairemos em uma grande pressão emocional. Podemos ser produtivos quando lemos um livro de poesias que tanto amamos ou quando assistimos um filme que nos faz sorrir. Nesse momento, o que mais importa é o nosso bem estar, temos que priorizar coisas que nos façam bem. Então, que sejamos produtivos, cada um ao seu modo, ao seu tempo e ao seu ritmo. Os comentários estão fechados.
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AutoresAna Cláudia Teixeira de Lima, PPGHCS/COC/Fiocruz Arquivos
Novembro 2020
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