Sobre a dificuldade de manter a esperança - [Thayná Soares de A. Vieira, PPGHCS/COC/ Fiocruz]28/5/2020
Há pouco mais de dois meses atrás, quando foi decretada a quarentena, me lembro que, sendo otimista, pensei “vai passar rápido, deve durar um pouco mais de um mês, no máximo” e decidi que tentaria manter minha rotina ao máximo. Acordar cedo, ler, estudar. O despertador tocava e eu logo me levantava, me arrumava, em alguns dias passava até um pouco de maquiagem para me manter animada. Eu, aluna nova do PPGHCS só tinha tido uma semana de aulas, estava empolgada por estar começando algo que almejei tanto. Entretanto, os dias foram passando, os números foram aumentando, se tornando rostos conhecidos e com isso levantar com o toque do despertador era mais difícil.
Entre praticamente tomar banhos de álcool em gel e estar longe de quem se gosta, presenciar todos os dias o presidente da república esbravejar contra o isolamento social e ver que tem deixado cada vez mais claro que sua resposta à pandemia não é apenas mero negacionismo, mas sim a morte da população pobre como projeto político,tem deixado tudo mais indigesto pra mim. Entrei para o mestrado com um projeto que visava tratar de medidas eugênicas no Brasil, então, quando vejo o atual presidente dizendo “que morram os vulneráveis” pois 70% da população pegaria o vírus mesmo, é muito doloroso. Isso é pior do que apenas negar a ciência: é uma linha de raciocínio muito cruel que vem me causando ansiedade e deixando pesado demais até mesmo estudar aquilo que me propus. É como presenciar um passado trágico que nunca deveria ter acontecido, que nunca deveria se repetir. Como aluna de um programa de pós graduação em história da ciências assistir esse descaso com a ciência tem sido difícil e tem tornado complicado manter a esperança vendo tanta gente defender essa crueldade em favor de se manter a economia, enquanto estamos preocupados em casa e com saudade das pessoas que amamos. Acredito que seja bom compartilhar essas angústias, para notarmos que mesmo distantes, não estamos desacompanhados e sozinhos, que podemos manter nossas redes de apoio mesmo em meio a toda essa loucura que nos faz a cada diz ter que reinventar e ressignificar as formas de se estar junto, de demonstrar afeto. É bom compartilhar o que sentimos e ver que ainda existem pessoas que se importam, que não compactuam com a crueldade. Estamos cansados, com saudades. É tudo tão estranho. Nos resta apenas tentar atenuar a falta que o contato humano nos faz através da tecnologia. Tentar nos manter fortes. Tentar nos manter esperançosos. E acreditar. Acreditar que tudo isso vai passar e vamos poder voltar a normalidade do encontro com os amigos, dos abraços, da vida como deve ser vivida e que nos foi de certa forma roubada. São Gonçalo, 23 de maio de 2020 Thayná Soares de A. Vieira. Mestranda em História das Ciências e da Saúde do Programa de PósGraduação da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz. Atualmente estudo as propostas de exames pré-nupciais enquanto uma medida eugênica de controle matrimonial no Brasil no período de 1914-1934. Email: [email protected]. Os comentários estão fechados.
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AutoresAna Cláudia Teixeira de Lima, PPGHCS/COC/Fiocruz Arquivos
Novembro 2020
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