Compartilhar minha experiência como estudante de doutorado em Campo em meio ao confinamento social provocado pela epidemia do Corona vírus me leva diretamente a compartilhar essa experiência a partir da encruzilhada com a minha situação como imigrante nos EUA, como doutoranda negra, pobre, mãe ou qualquer outro identificador social que existisse nesse contexto de Pandemia. Se é verdade que a situação de isolamento social provoca efeitos sobre a escrita e a experiência da pesquisa de Campo que estamos vivendo, a Pandemia é apenas mais um marcador para estudantes não-brancos ficarem cada vez mais vistos como o “Outro”; a “Minoria” ou “Deficiente”. Trago breves vinhetas sobre minha experiência como estudante negra de doutorado em Campo e em processo de escrita da tese em meio a Pandemia. Enfatizo de antemão como o relacionamento com um grupo de mulheres negras de pós graduação me forneceu o apoio logístico, emocional e psicológico necessário para avançar em etapas da escrita e da pesquisa em Austin, uma vez que, antes mesmo da Pandemia, lidar com vários empecilhos e um ambiente adverso já era parte integrante da minha adaptação à cultura oculta existente nos programas de pós-graduação, que está cada vez mais se transformando num complexo industrial acadêmico. Agora, trata-se de lidar com uma educação corporativa acrescida de um novo cenário caótico: o da Pandemia. Para mim esse cenário só se tornou menos drástico, principalmente, quando elaborei um modelo de escrita em grupo na casa que estou residindo. Vim finalizar minha pesquisa de doutorado em Austin, a intenção de vir para os EUA foi, além de usufruir da infra-estrutura de bibliotecas e participar de congressos acadêmicos, foi experienciar o intercâmbio de inglês do Programa English & Social Justice, um programa de inglês para negros, artistas e estudantes militantes. Estou em confinamento social em uma casa com duas estudantes negras, uma em processo de pós-doutoramento, idealizadora do referido programa de inglês e a outra em fase de doutorado. Com uma semana que havia chegado em Austin a disciplina de escrita que havia elaborado foi interrompida pelo fechamento das bibliotecas. Com isso reorganizamos a pequena casa para ficarmos bem acomodadas. Compramos mais uma mesa, alteramos lugares de dormida e refeições e estamos dividindo esse pequeno espaço entre nós. As conversas e trocas de ideias sobre a futuridade da vida, escritas poéticas, danças e rituais de baforar ervas na panela são algumas práticas que estamos fazendo como parte do processo de escrita nesse cenário de Confinamento Social. Os cabos e fios conectores dos eletrônicos emaranha mais ainda nossas orientações mútuas e a parceria, principalmente, quando estamos todas em vídeo-chamadas com familiares e nos vemos apresentando as famílias de umas às outras. Somos todas imigrantes em território norte-americano; uma piauiense, uma paulista e uma cearense entre máquinas de escrever e robôs vivos, afinal compartilhar sentimento e intimidade com celulares e computadores se tornou a regra nesses dias de isolamento. A reciprocidade entre nós aumenta e compartilhamos a sensação de que já estávamos em isolamento devido ao ritmo de escrita e leituras intensivas e ao cenário muitas vezes castrador da academia. Perceber quenão estávamos preparadas nem para o isolamento da escrita de tese nem para o isolamento generalizado causado pela Pandemia tornou a nossa escrita colaborativa e o nosso apoio mútuo de orientação o projeto mais eficaz contra a tortura do isolamento emocional e pandêmico. A sensação é de sempre nos equilibrar e de estar nas margens, afinal quando se ingressa num programa de pós graduação e não se tem o mesmo conhecimento cultural ou social que os outros estudantes para evitar as armadilhas que atrasam o processo de formação e nem se tem outros recursos para facilitar o acesso a bolsas de estudos, publicações e programas de intercâmbio a tendência ao isolamento é um fantasma constante e contínuo na vida de estudantes negras. Sentimos nos primeiros dias de confinamento ao sair para o mercado e em caminhadas nos parques como a pandemia estava se tornando o bode expiatório de mais racismos e opressões sobre os corpos de imigrantes e negros. Olhares e distanciamentos antes camuflados agora estão mais explícitos sobre nós. Aqui ninguém anda pela mesma calçada com pelo menos 3 metros de distância, aqui três pessoas não podem ficar na mesma sessão do mercado, e se essas pessoas forem imigrantes e negras a distância se tornou um critério que precede a regra do distanciamento social. O transporte público se transformou no transporte exclusivo de negres, sem tetos e imigrantes. Tanto porque, para evitar o contato com o motorista, não há mais necessidade de pagar, quanto porque a maioria dos norte americanos possuem carros particulares. Se antes do Confinamento social os ônibus eram usados mais por pessoas negras e imigrantes das zonas mais pobres, agora se tornou um transporte exclusivo dessas pessoas que estão vagando em número expressivo das zonas pobres para as zonas ricas e usando o transporte público como meio de vagar. Para essas pessoas a condição de Outdoorsness, ou seja, de serem lançados ao ar livre, na rua, no exterior é a única condição que é possível de existir neste momento. Elas estão andarilhando na condição de terem sido lançadas para fora, “do Estado norte americano” ; “de casa”; “da família”. Com algumas lembranças dos escritos de Toni Morrison na sua obra “The bluest Eye” (1970) a sensação que fica é que o confinamento social tem um verso e um reverso; para que algumas pessoas possam voltar a viver “being outdoors”, isto é, sendo livres, num estado de viver ao ar livre outras precisam ser “being put outdoors”, isto é, são colocadas, expulsas e empurradas para fora, precisam ser postas para fora, seja de casa, do território estado e da condição de humano. Aqui é primavera e as flores brotam no asfalto. Era um dia de domingo, um domingo de páscoa, e decidimos caminhar pelas ruas de Ride Park, um bairro rico com casas históricas de Austin e aonde residimos. Paramos em frente a um terreno sem nenhuma construção e que por isso havia uma grande mata e um extenso campo de flores nativas lá dentro. Estávamos encantadas e decidimos tirar uma foto pegando todo o campo de flores. Uma senhora que passava do outro lado da rua exclama com um tom ameaçador: “Vocês sabiam que isso é uma propriedade particular? O dono não deve está muito feliz com o que vocês estão fazendo, cuidado”. Naquele dia, ironizamos aquela fala bem como o mal humor da senhora, para usar de pleonasmos. Seguimos. Continuamos seguindo a caminhada diária “no place to go”, na sensação de que está ao ar livre nem sempre nos garante viver “a liberdade”, mas estamos confiantes e otimistas de que o alecrim que colhemos nos quintais particulares para fazermos nossas baforadas, bem como as flores brancas que estão sendo usadas para nossos rituais de banhos nos permite um estado de desobediência e rebelião plena. Caridad entrou enérgica pela porta com seu “nasobuco” branco, sua bolsa de estampas africanas e sua vitalidade indiscutível, vociferando: “Corona vírus!” flexionando o braço e apontando o cotovelo em nossa direção, um cumprimento que parecia dizer: esse é o novo bom dia. Depois dos dois lances de escada, sentou-se ofegante na cadeira de balanço, tirando de outra sacola garrafas de água vazias enquanto cumprimentava sua filha, recém-saída dos afazeres domésticos, a responder ao pedido da mãe. “Ela vem pegar água aqui porque sua bomba está quebrada”, dizia Oyone. Eu e Ramón estávamos nas aulas de português e, quando chegou Caridad preenchendo o balbuciar desajeitado das tentativas de aprender um novo idioma, decidimos fazer uma pausa. “Haz un cafe Oyone, ya que Marcela he traído”, dizia Ramón, seu marido. O café, eu o tinha comprado no caminho que faço antes de chegar à casa deles; quatro pacotes de 115 gramas cada, no valor de 15 pesos em moeda nacional a unidade, na bodega administrada por um senhor complacente e que já entendia “como iba se poner mala la cosa”. Dei dois pacotes a Ramón, que estava sem nenhum; estes tornaram-se o café que tomávamos, quando Caridad diz:“El chisme este del corona vírus”. Chisme? Pensei. “Pero, Caridad, porque chisme?”. Em um tom eufórico, ela diz que no noticiário da noite anterior passou uma reportagem de uma “tienda estatal que se explotó”. “Que pasó?”, perguntei. Logo veio a resposta: uma “tienda” onde estavam superfaturando alguns produtos. “Chacha, el DTI bajó y cerró todo. Y allá simpre tenía cosas que ni tenia en las del shopping! La cosa se pone mala, mala.” “Y las colas malísima”, dizia eu. “Yo no me quedo en una cola de esas”, eles respondiam. “En Carlos III, la cola estaba llegando a tres cuadras, ahora están distribuyendo un ticket, o sea, no hay para todos y escuché que están llegando a las 4 de la mañana, es verdad?”, continuei. “Si, hija..”, me contestavam. Enquanto isso, Caridad tirava da bolsa de tecido africano pacotes de sal e óleo para dá-los a Oyone, ao passo que a conversa continuava sobre os insumos básicos. Estávamos em finais de março, foi quando outro interlocutor me disse que cancelariam o “Plante” de seu juego, ritual de iniciação Abakuá, já que todo evento qualificado como uma aglomeração de pessoas havia sido proibido. Foi nesse último encontro que ele me deu minha primeira máscara: “Para que te protejas. Cuidate!”, dizia. “Que sorte”, pensei. Poucos dias depois, o uso da mesma se tornou obrigatório nas ruas e nos ônibus, passível de multa caso não o fizesse. A vívida Havana rapidamente foi preenchida de silêncios e vazios. Hoje somente circulam veículos oficiais para a manutenção dos serviços básicos de alimentação, bancos e hospitais, o que impossibilita os reencontros devido a necessidade de transporte público. Nos pontos de acessos à internet, espalhados pelos parques da cidade, é proibido permanecer. As patrulhas passam com megafones pelas ruas: “Por favor, señores, atencíon a las medidas de securidad” e os noticiários divulgam as possíveis sanções por “propagación de pandemia”. O Estado, pela televisão, tranquiliza a população. Porém, algo ainda permanece: as imensas filas para conseguir itens extremamente básicos, como os de comida e higiene. As garrafas de plástico com “solución clorada a 0,1%” ou um pedaço de sabão são os primeiros itens na entrada de qualquer “tienda, bodega o agro”, seguidas por filas que evoluem de quadra em quadra, por pessoas que não se importam com sol, calor, horas de espera ou os controles policiais do Ministério do Interior pois, ao final, se espera levar para casa dois ou um item - de acordo com as regulações de produtos por pessoa- dos parcos produtos ofertados, quando ofertados. Nesse momento, Caridad já pegou suas garrafas de água – agora cheias- e um pouco de arroz com Oyone e Ramón, que me perguntaram se eu também queria: “No, gracias”, disse. “Tu lo sabes, se necessitas algo, llamame!” replicavam. Aqui, assim se dribla a crise; na ajuda mútua possibilitada nas relações entre amigos e sócios. “És que el cubano ya pasó por algo peor y estamos vivos, chacha”, diziam entre um ou outro muxoxo. “De hecho, yo creo que nunca salimos del período especial”, alguém deixou escapar. Talvez, “el chisme” do Corona vírus esteja aí; no reviver cotidiano de uma memória que parece nunca ter sido verdadeiramente parte dos reinos do passado, não nas questões da medicina que, mesmo com todas as dificuldades, nunca chegou a ser um problema factual. Marcela Andrade é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Museu Nacional, UFRJ. Participante do Laboratório de Antropologia e História (LAH/PPGAS/MN) onde desenvolve uma pesquisa sobre Sociedad Abakuá, seus aspectos societais, práticas religiosas e suas confluências artísticas. - O que acho da pandemia coronavírus? A doença veio do país da China, do lugar chamado Wuhan. Esse vírus, esse kugihe, ele é muito forte, muito perigoso. Isso me assustou e me assusta muito. Vendo notícia na televisão, acompanho desde que saiu a primeira notícia que o vírus estava se espalhando na China, eu fiquei muito preocupado. Começaram a viajar, deixaram os voos de avião transitarem normalmente, começou a se espalhar rapidamente, para Itália, Estados Unidos, veio para o Brasil. Em 17 de fevereiro registraram o primeiro caso no Brasil. Isso nos deixou todos assustados, povos indígenas, lideranças. Essa doença, muitos dos mais velhos falaram que ia acontecer alguma coisa de ruim no mundo. O ano passado teve eclipse de lua, eclipse de sol, os mais velhos têm uma forma de interpretação, pelo formato da eclipse, falaram que ia ter uma coisa ruim, uma doença, para todos. Na eclipse teve muito do lado dos kagaiha(dos brancos) e muito pouco do nosso lado. O que está acontecendo confirma o que os mais velhos falavam. Muita gente está sofrendo, muita gente está morrendo. Isso me fez pensar muito. Sabemos como a nossa cultura funciona, mas não profundamente. Fiquei preocupado, precisamos manter essa observação das constelações, da natureza; os cantos dos pássaros avisam, ou coisa ruim ou coisa boa. Os mais velhos estão falando: “Está vendo? Isso já sabíamos”. - Quando teve a primeira morte no Brasil, FUNAI e ATIX (Associação Terra Indígena do Xingu) se reuniram e fizeram um documento como protocolo de segurança para ninguém entrar nas aldeias, uma forma de controlar a proliferação da doença. Os casos no Brasil foram aumentando e, então, o protocolo foi para ninguém entrar e ninguém sair (das aldeias). A ATIX se mobilizou e o Distrito (de Saúde Indígena) deu suporte para que as pessoas que moram em Canarana conseguissem combustível e fossem para as aldeias, fugindo da doença., se fechar na aldeia. Muitos saíram da cidade para as aldeias, outros preferiram ficar, os que já são mesmo moradores da cidade. Eu falei que ficaria em Gaúcha, pelo medo de levar doença. Lembrei da história quando os Kalapalo foram contaminados na década de cinquenta pelo sarampo, muita gente fugiu para as aldeias levando o vírus. Pensando nisso eu disse: “não vou para lá”. Minha família ficou preocupada, assim como a família da minha esposa. Se a gente levasse o vírus, seria uma tragédia, eu me sentiria muito culpado. Fiquei aqui. O pessoal ficou uns 15 dias fechado. Meu pai, que mora numa aldeia mehinaku, disse que parecia que estava tendo uma guerra, o sentimento ficou muito forte, muito medo, todos ficaram nas casas. Quando saiam para fora, ficavam com medo do vírus chegar pelo vento. Havia muitas informações e ninguém conseguia explicar direito. Fecharam a estrada dos Kalapalo que vai para Querência e Canarana. Depois começaram a sentir falta principalmente de combustível. Nas aldeias tem muitas motocicletas, estava acabando sabão, muitos dependem da alimentação da cidade. Isso fez com que começassem a quebrar a regra. Tem um grupo na ATIX que recebe denúncias contra os que querem sair para as cidades. Quando teve um caso suspeito em Querência, todos ficaram assustados, mas, mesmo assim, havia quem não queria obedecer. Em Canarana já teve um caso confirmado, curou, não tem notícia de outro, espero que não tenha. Tem uma minoria que não respeita a barreira. Alegam que precisa de combustível, sabão, café, principalmente, já viciou. Estamos tentando barrar, mas está difícil. - Aqui em Gaúcha ainda não tem suspeito, mas estamos em alerta, a entrada na cidade está controlada, mas a circulação é normal. Tem casos confirmados em Canarana, em Rondonópolis, União do Sul e a gente está no meio. Também em Paranatinga tem suspeito. Em Cuiabá está morrendo gente. Tem cinco mortos em Mato Grosso. A contaminação está aumentando. Aqui em Gaúcha, no começo queriam fechar tudo, mas depois houve protestos dos que dizem que dependem da venda, do comércio. Fizeram uma regra meio aberta., mas não funcionou. A polícia está atuando para evitar aglomerações. Eu particularmente estou meio fechado, mas a Câmara continua as atividades. Respeitamos a distância de um metro e meio. Continuamos as reuniões, mas agora fechadas ao público. Não tem movimento para as aldeias, mas continua vindo gente para cá, das aldeias mais próximas. Isso que está acontecendo. Mutua Mehinaku Kuikuro [[email protected]] é líder do povo Kuikuro, Alto Xingu, MT e, hoje, vereador da Assembleia Legislativa do Município de Gaúcha do Norte (MT), cidade próxima da Terra indígena do Xingu. Concluiu mestrado no PPGAS em 2010 com a dissertação “Tetsualü: pluralismo de línguas e pessoas no Alto Xingu”. Estou bem, em casa com minha família. Esta semana fiquei sozinha em casa, minha mãe foi pra roça e eu não podia ir porque estou aqui trabalhando, escrevendo. Aqui não é tão ruim porque meus irmãos moram todos perto. Minha mãe tem ido para roça; tem dias que vou para lá também porque é mais tranquilo. A bolsa está ajudando. Aqui na nossa região tem muitas famílias pataxó, que, em Coroa Vermelha, dependem do turismo, da venda de artesanato; como as terras indígenas são pequenas, não têm outro meio de sobrevivência. Poucas famílias possuem uma pequena roça para agricultura, minha mãe é uma dessas pessoas, está plantando hortaliças, milho, abobora. As lideranças têm buscado parceria com algumas instituições, com a Funai, prefeitura, empresas. Estão catando apoio para conseguir cesta básica para as famílias que estão em dificuldade; as aposentadorias conseguem suprir um pouco. Em outras comunidades, como Barra Velha, tem o mangue e o mar que dão um pouco de alimento para sobreviver, o pessoal sai para mariscar nas pedras, catar caranguejo no mangue, mas não tem mato para caçar; as matas que ainda têm são todas de preservação. Na semana passada fiquei tensa, deve ser pela DPM, fico mais sensível, não conseguia me concentrar. Aí eu saio, aqui temos um quintal grande, fico capinando, gosto de fazer mudas de plantas. Minha mãe chegou agora mesmo da roça, trouxe umas coisinhas, folhas de repolho, cebolas. Agora estou aqui no computador. Não estou me sentindo só. Não estou ouvindo notícias do coronavírus para não ficar mal, mas hoje vi na televisão, mais duas mil pessoas mortas, tristeza...o mundo vai ficar, sei lá...nós vamos.... Tem uma parente (indígena) no Rio Grande do Sul, antropóloga, está com coronavírus, está postando no facebook. Tenho saído só quando necessário, com cuidado. Aqui perto em Santa Cruz Cabrália tem cinco casos. Depois converse com Nelly, que está numa região mais difícil, as coisas demoram sete dias para chegar lá e tudo encareceu muito, não tem transporte, de vez em quando me conta da vida dela. Pois é, e como você está? Este mês está caindo bastante chuva, aí a internet fica ruim. Estamos aqui na luta. Tenho meus irmãos e minha irmãs. Estas também trabalham na escola indígena, a prefeitura demitiu por conta deste período, não tinha necessidade já que os recursos do ministério vêm para cá, os professores estão entrando com uma ação. O dinheiro da bolsa acaba servindo para ajudar eles também. Um abraço aí, se quiser ligar, se sentir muito só, pode ligar. Depois vou mostrar meu quintal que estava limpando, tinha muito mato. Transcrição de mensagens áudio recebidas por Bruna Franchetto, com autorização da autora. Anari Braz Bomfim, da etnia pataxó, é doutoranda no PPGAS/MN/UFRJ. Seu projeto de pesquisa e de tese desenvolve e aprofunda o tema de sua dissertação de mestrado: a retomada do Patxohã, língua originária do povo Pataxó do sul do estado da Bahia. Está em isolamento em Coroa Vermelha (BA). - Eu estava indo e voltando, resolvendo pendências do curso, mas nesse período tive que ficar no confinamento. No dia em que ia comprar passagem para voltar para a aldeia, não vendiam mais. Estou aqui no Rio, tentando escrever, ler, aproveitando esse confinamento, mas estava sentindo muita dor no peito, crises de choro, não sei o que deu em mim. Desde dezembro fiquei no hospital com meu ex-marido doente na UTI em coma, minha filha com bebezinho, muita coisa que estava enfrentando, estava carregando muita coisa nas minhas costas. Me deu um negócio bem estranho, deve ser por causa do confinamento, só saio para comprar comida. Entrei num surto, não estou me sentindo bem...pedi ajuda. Está difícil. Queria ficar na aldeia, mas não consegui mais. O corpo não aguenta o confinamento. Tentei ficar tranquila e concentrada, mas está difícil.
- Obrigada pelas palavras, hoje estou mais tranquila. Estava sentindo muita dor no peito. Depois que recebi muitas mensagens de pessoas, conversas, aliviou. Alguns parentes vieram trazer comida, fazer as coisas pra mim, como aldeia mesmo. Na aldeia sempre tem fogueira, a gente conversa, fuma, conta piada, história. Agora e aqui, tudo vem à tona com muita força. Estou melhor. Vou buscar outra forma de me fortalecer. - Estou acostumada a viver confinada em certos lugares, mas o confinamento que faz a gente pirar não é o confinamento indígena, porque nós temos nossas regras. Este confinamento é na cidade, num lugar totalmente diferente, sem chão. O lugar onde pode ficar confinada sem pirar é com chão. A angústia vem por causa disso. Quero saber de você, como você está enfrentando, fico preocupada com as amigas, com as pessoas que eu gosto. Te ouvir agora fiquei mais aliviada também. Transcrição de mensagens áudio recebidas por Bruna Franchetto, com autorização da autora. Sandra Benites [[email protected]], da etnia guarani nhandewa, é doutoranda do PPGAS/MN/UFRJ. Seu atual projeto de pesquisa trata da vidas das mulheres guarani e tem como título: “Mulher falando: fundamentação do teko tekohaa partir da visão das nhandesy kuera do Mato Grosso do Sul, mostrando várias facetas kunhangue reko”. |
AutoresAna Cláudia Teixeira de Lima, PPGHCS/COC/Fiocruz Arquivos
Novembro 2020
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