Estou bem, em casa com minha família. Esta semana fiquei sozinha em casa, minha mãe foi pra roça e eu não podia ir porque estou aqui trabalhando, escrevendo. Aqui não é tão ruim porque meus irmãos moram todos perto. Minha mãe tem ido para roça; tem dias que vou para lá também porque é mais tranquilo. A bolsa está ajudando. Aqui na nossa região tem muitas famílias pataxó, que, em Coroa Vermelha, dependem do turismo, da venda de artesanato; como as terras indígenas são pequenas, não têm outro meio de sobrevivência. Poucas famílias possuem uma pequena roça para agricultura, minha mãe é uma dessas pessoas, está plantando hortaliças, milho, abobora. As lideranças têm buscado parceria com algumas instituições, com a Funai, prefeitura, empresas. Estão catando apoio para conseguir cesta básica para as famílias que estão em dificuldade; as aposentadorias conseguem suprir um pouco. Em outras comunidades, como Barra Velha, tem o mangue e o mar que dão um pouco de alimento para sobreviver, o pessoal sai para mariscar nas pedras, catar caranguejo no mangue, mas não tem mato para caçar; as matas que ainda têm são todas de preservação. Na semana passada fiquei tensa, deve ser pela DPM, fico mais sensível, não conseguia me concentrar. Aí eu saio, aqui temos um quintal grande, fico capinando, gosto de fazer mudas de plantas. Minha mãe chegou agora mesmo da roça, trouxe umas coisinhas, folhas de repolho, cebolas. Agora estou aqui no computador. Não estou me sentindo só. Não estou ouvindo notícias do coronavírus para não ficar mal, mas hoje vi na televisão, mais duas mil pessoas mortas, tristeza...o mundo vai ficar, sei lá...nós vamos.... Tem uma parente (indígena) no Rio Grande do Sul, antropóloga, está com coronavírus, está postando no facebook. Tenho saído só quando necessário, com cuidado. Aqui perto em Santa Cruz Cabrália tem cinco casos. Depois converse com Nelly, que está numa região mais difícil, as coisas demoram sete dias para chegar lá e tudo encareceu muito, não tem transporte, de vez em quando me conta da vida dela. Pois é, e como você está? Este mês está caindo bastante chuva, aí a internet fica ruim. Estamos aqui na luta. Tenho meus irmãos e minha irmãs. Estas também trabalham na escola indígena, a prefeitura demitiu por conta deste período, não tinha necessidade já que os recursos do ministério vêm para cá, os professores estão entrando com uma ação. O dinheiro da bolsa acaba servindo para ajudar eles também. Um abraço aí, se quiser ligar, se sentir muito só, pode ligar. Depois vou mostrar meu quintal que estava limpando, tinha muito mato. Transcrição de mensagens áudio recebidas por Bruna Franchetto, com autorização da autora. Anari Braz Bomfim, da etnia pataxó, é doutoranda no PPGAS/MN/UFRJ. Seu projeto de pesquisa e de tese desenvolve e aprofunda o tema de sua dissertação de mestrado: a retomada do Patxohã, língua originária do povo Pataxó do sul do estado da Bahia. Está em isolamento em Coroa Vermelha (BA). Os comentários estão fechados.
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AutoresAna Cláudia Teixeira de Lima, PPGHCS/COC/Fiocruz Arquivos
Novembro 2020
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